sábado, 15 de outubro de 2011

A filósofa

Gostaria de ir sem mais demora no motivo de euzinha estar aqui dando uma de Filósofa.
Eu bem que tento, confesso que nas minhas veias não correm sangue de poetiza, nem de uma compositora famosa. Meu escritor favorito é Erico Veríssimo. Identifico-me com a linha de raciocínio dele. Na escrita dou pequenas arranhadas minha ferramenta mestre é uma coisinha chamada emoção. Pareço mais com uma briga de gatas que lutam por um bom pedaço de carne!... Falo de gatas, por experiência, pois temos três aqui em casa. Outro dia falo a respeito delas. Vocês já ouviram falar da síndrome do ninho vazio? Pois é nesta fase a gente adota cães ou gatos para ter outros tipos de dor de cabeça. Eu declaro... Que agora o que vai invadir e encher as próximas páginas são os manuscritos. Lembranças de uma mulher. Sentimentos arquivados, de experiências vividas em outra época da minha vida. Recordações antigas e novas diante da mesma realidade, e a experiência pura e crua vivida nestes 22 dias! Minha memória é forte, minha inspiração, quando tenho dá para o gasto...


Peço desculpa pelos maus modos. Pretendo postar tudo mesmo. Palavras nada gentis podem aparecer muitas vezes. Porque eu sou 100% natural, não naturalista, vejam bem. Na realidade quero dizer; autêntica até demais, não sei modificar o que senti na hora. Falo tudo mesmo. Desculpas ao meu esposo que quando comecei minha viagem ao seu lado estava muito raivosa porque não queria ir... Motivos? Meus!


Tenho muitos pretextos a meu favor. Para me convencer que seria só sofrimento para mim. Esta louca aventura de dois cinqüentões em um Del Rey muito acabadinho. Você já fez um rali na Amazônia? Ah, Sim!  Já? Que carro é o seu?... Ah, Beleza! Seu carro com toda certeza é adequado para a lama e atravessa trechos que até mesmo , o capetinha duvide. Mas tenta fazer isso em um carro modelo Del Rey um ano apenas mais novo que meu filho primogênito Filipe.


Ano passado, no mês de agosto, o povo que descrevo lá na minha primeira postagem, apareceu lá em um determinado local, onde no meio da mata existem os acampamentos de castanheiros e o povo bateu lá. Um dos castanheiros falou que certo dia estava deitado na rede quando sentiu alguém batendo no punho da sua rede e falou:


- Amigo?


-Sim amigo - respondeu o homem.


E assim ofereceram comida e água para o pequeno grupo que estava junto. Ficaram por ali uns dias e sumiram na mata novamente.


Em outubro do ano passado o grupo voltou e desta vez foram parar no racho do Ruy,estavam debilitados e com muita tosse.


O povo está, a cada ano, indo mais longe de suas originais aldeias, eles andam longe  em busca de muitas coisas que os civilizados têm como, rede, mosquiteiros, panelas, remédios, lanternas, chinelos e  roupas.


Esta nação indígena ainda anda nu, só os homens que usam uma mini cueca, uma palha que prende (o fulano).


Por vinte anos ficaram mantidos isolados do resto do mundo em suas reservas.Mas agora a fronteira da curiosidade foi ultrapassada por muitos. E assim foi desbloqueada, a cegueira absurda, que os mantinham cegos para o mundo do bem estar e suas facilidades.


Um novo horizonte pode ser contemplando no universo deste povo. Eles passaram a ter noção do, ...Eu posso ter as coisas que me são úteis, práticas e boas.


Posso dizer que o  progresso encontrou uma brecha dentro da cultura e assim se instalou.


Infelizmente eles, nestes vintes anos, foram aos poucos se modificando e hoje podemos verificar muitas mudanças chocantes.


Meu esposo tem um rancho, na mesma área,dos castanheiros.  


Ali tem uma pequena plantação de bananas, mandioca, e alguns pés de frutas estão crescendo.


Já tem uma pequena casa construída que aos poucos está senda acabada.


Depois de uma longa peregrinação no rastro deste povo, meu esposo que nunca desistiu deles. Pode enfim fincar residência, no meio do nada na imensidão das matas. Hoje podemos nos alegrar com o contato verbal, real e verdadeiro.


Hoje, está fazendo um mês, depois de vinte anos revi este querido povo. Criados à imagem e semelhança de Deus, pessoas iguais a nós. Mas que vivem completamente diferentes. 

Da minha parte o choque foi inevitável, pois pareciam pessoas esquecidas  no tempo. Ainda são isolados do resto do planeta.Mais este estado de isolamento aos poucos vai sendo  vencendo pois ,o desejo, e uma louca e alucinada vontade, de invadir e possuir todos os objetos de consumo que existem no mundo dos civilizados,estão impulsionado eles a vir cada vez mais para perto da civilização.Logo conheceram as cidades,e ai sabe se lá o que acontecerá.São muitos inteligentes e como um legítimo brasileiro dão seus jeitinhos admiráveis.
O encontro com duas gerações de Zoés foi muito emocionante( conhecemos os pais da maioria dos jovens  que hoje vieram  ali ). Eu pensava não me adaptar mais no meio deles. Não falo muito da língua. Na época em que morei na Base esperança,vinte anos atrás quando os   conheci, estava em uma fase muito produtiva.pois era uma faz tudo dentro do lar. Tinha três filhos pequenos. Meu filho Filipe estava sendo alfabetizado por mim, uma grande tarefa. Tinha Jaqueline,com três anos  que precisava ficar de olho nela o tempo todo  era muito ativa,uma garotinha levada da breca. Tinha um bebe, nasceu em Santarém apesar de nunca ter feito o pré natal. Minha gravidez coincidiu com nossa entrada no mato, não tinha como vir todo mês para a cidade para visitar o médico. Saí com oito mêses de gestação porque era o permitido para voar. Fiquei esperando seu nascimento aqui na cidade de Santarém. Depois esperamos as vacinas serem tomadas  e entramos por mais um ano e dois meses.


A vida não era muito fácil, tínhamos que lavar as roupas dentro do igarapé, fazer pão em casa, cozinhar em fogão a lenha que amo cozinhar, é bom demais um fogão a lenha, prático e saudável fica a comida.


Neste ritmo rotineiro e constante, levamos o nosso dia. E assim quando estávamos livres das tarefas e as crianças dormindo, já era muito tarde para estudar,( ainda mais com uma lâmpada de painel solar que clareia pouco), quase sempre o vilão da historia era o sono .O cansaço e o sono me venciam, pois chegava à noite só queria tomar um bom banho quente que também sou louca e cama.


Não me preocupava muito com a língua, porque tinha outra papel a desempenhar  ali o de ser mãe. Com esse  eu procurava fazer e dar  o meu melhor .Este sim era o meu ministério  e procurava faze-lo bem.pois tinha três crianças que eu amava muito e dependiam de mim inteiramente, as vinte quatro horas do dia.Não existe férias,tempo disponivél , nem feriado quando se é mãe!
Depois eu tinha meus momentos com as indias que sempre a tardinha vinham a minha casa.Ali elas entravam ,olhavam  tudo, perguntava ,cheirava,matavam sua curiosidade e seguiam seu caminho, e eu continuava de onde parei nas atuividdaes domesticas.
Sempre pensei se desse conta de cuidar das crianças, sem ficar pedindo ajuda ao meu esposo, ele teria mais tempo para se dedicar a língua.


Não que ele não participasse das nossas vidas, mas ele teria mais tempo de sentar no seu escritório, feito longe de casa e desligar de tudo e só estudar e  praticar a língua.


Assim sendo com muita dedicação e um bom ouvido que ele tem.Dotado um dom que Deus lhe deu de ser um analista lingüístico, é claro, que fala muito bem esta língua que hoje ouço na minha casa.
Quando ouvi as primeiras palavras ,não entendi bolufas de nada!As palavras martelavam na minha cabeça e não conseguia lembrar o sentido delas.Eu confesso que fiquei perdida, igual castanha de caju. sem saber se a coitadinha da castanha faz ou não parte do caju rsrsrsrs. Assim , Pensei! Céus... o que estou fazendo aqui? Socorro! Não entendo nada que eles falam...
Dava a impressão que estava em um filme primitivo de Volta no tempo. Tive a sensação que tinha entrado no túnel do tempo e estava tendo um encontro, cara a cara  com a civilização dos primeiros habitantes do planeta terra .Por uns minutos  a impressão que  tive  é que, eu era a estranha no ninho .Parecia , uma espécie rara de gente.Porque? ... meu cabelo naquele dia ,confesso assutava. Estava armado e duro de tanta poeira da viagem.Estava mais para,nega maluca ou juba .

AH! Meu marido diria outra coisa! ele tem uns apelidos bem criativos...enfim ,vamos ao que interressa mesmo.
Eu ali parada na porta do quarto, vestida com um modelito sinistro, um vestido verde e marrom de  viscose, largo e comprido, por cima do antiquado maiô preto. De jarra na mão com os pertence de banho, pronta para enfrentar meu segundo desafio horripilante. Tomar banho no rio de água gelada e suja. Eu apesar de ter morado muito tempo em lugares onde o rio é nossa fonte de água, eu tenho verdadeiro pavor de colocar o pé dentro destes rios, por isso não entro descalça, nem curto estes banhos, que por falta de outras atividades se torna em um verdadeiro lazer.


Sentia-me uma estranha ali no meio deles, mas como em um passe de pura magia, as palavras começaram a fazer sentido no meu cérebro, e a ser   entendidas por mim.È claro que muitas ainda eram uma incógnita para mim.mas Muitas começaram a fazer sentido. Como a memória é fabulosa mesmo, não importa quanto tempo passou eu ainda lembrava um pouquinho da língua deles.


Meu esposo falava sem parar, parecia um deles, não tem dificuldade alguma em falar na língua, tanto entende como é entendido por todos.


Aí  a medida que aconversa seguia, certas palavras que eram mencionadas eu me lembrava ah!... É lembro-me disso sim.

Meu esposo incentiva a perguntar o nome a cada um, meio tímida, pois não sabia pronunciar bem. Perguntei:- Qual é o seu nome? A cada aperto de mão um nome era citado. Alguns eu  lembrava, eram naquele tempo pequenos da mesma idade do meu filho. Outros, porém, nasceram alguns anos após a nossa partida.Outros  era bebês ainda  quando a FUNAI, nos impediu de voltar. Mas bastou perguntar, qual é o nome de sua mãe para vir na lembrança, fisionomia dos pais daquele que apertava minha mão.
Reconhecer o Ipó foi muito emocionante e triste ao mesmo tempo. Ele está muito envelhecido agora, nem parece o mesmo de antes, ele era ágil, robusto, atleta. Estava muito gripado, quieto e pedia coisas o tempo todo. A cultura deste povo é muito interessante, eles possuem varias mulheres. Adquirida, negociadas  em uma longa conversa , sistema de trocas.
Na época em que moramos na base Esperança, sede onde os missionários tinham residências, eles tinham um grande tapiri e ficavam ali, Ipó tinha uma só esposa chamada Dypuyrra, ele teve na época um filho com ela, todos nós assistimos ao parto, foi a primeira e única vez que vi abertamente uma mulher dar a luz. Nunca tinha visto tal evento acontecer e fiquei assustada com o fato tão real. Impressionante ver a natureza humana se preparar e despejar a criança. Só vendo mesmo para acreditar.
Ainda tem um fato bem curioso neste nascimento, a jovem sentia muitas dores e nada da criança nascer. Naquela tarde chegou o índio  Biry, um senhor já chefe de família.
(Nesta cultura existe o sistema de  adoção,e meu esposo era considerado filho detes senhor chamado Biry) meu esposo por sua vez, sentia  mesmo  como filho. Amor paternal .  Este senhor só se referia ao meu esposo usando, a palavra( filho) na língua deles.
Como dizia, Biry chegou e logo foi ver a moça que agonizava. Ele sabia o que fazer. Examinou, mexeu, apalpou e viu que a criança não estava em posição de nascer. Fez uns movimentos na barriga, pareceiam massagem  e se retirou dali, pois só mulheres ficam nesta hora por  perto.
A noite chegou alogo a criança nasceu sem mais problemas naquela mesma noite.
Na manhã seguinte fomos ver a mãe e o neném, ele chorava muito a mãe chorava, mais ainda. Tunè, uma índia de idade ( na cultura,as mulheres mais velhas orientam, as jovens mães ). Tunè  gritava com a voz um tanto alterada,para a  jovem mãe de primeira viagem .- Desse jeito ele vai morrer.
-Dê mama para ele,se o neném  não conseguir mamar  vai morrer!
Mas o bebê não conseguia pegar o bico do seio dela,pois ainda  não tinha bico.Sugar era impossivél.
Meu esposo vendo que as tentativas de molhar o leite em um algodão e fazer o bebê chupar, não dava resultado, correu até nossa casa e pediu para eu ferver a mamadeira do Joab, e levou para ela colocar o leite e dar para o pequeno.
Assim colocando o bico da mamadeira junto do bico do peito o neném em três dias conseguiu mamar no peito de sua mãe normalmente.
Hoje este bebê já adulto tem sua própria família é pai pela primeira vezQuando chegamos não estava lá com o pai.
Inclusive o pai já não vive mais com sua mãe. Tem outra família e vários filhos pequenos ainda.
Engraçado que sua atual esposa era bem jovem na época, ela Titô, gostava de segurar o Joab que ainda nem andava. Ela ficava vigiando, mesmo quando ele dormia. O carinho era tão grande que ficava o tempo todo segurando os dedinhos dele enquanto ele dormia um sono pesado na sua rede, quando ele acordava ela  o leva para banhar no rio ou dar uma volta, mas eu sempre ficava de olho neles. As fraudas de pano branquinho sempre voltavam tingidas de vermelhas de urucum. (porque elas têm o costume de passar por todo o corpo, este produto natural).
Olhando ali para eles não parava de refletir em quanto tempo e estágios perdemos sobre aquela cultura. Hoje os homens estão cabeludos, elas já não tinham suas tiaras na testa. Muitos vestem roupas, e usam chinelos, alguns já possuem espingardas, enfeites feitos de miçangas adquiridos em outras culturas indígenas.
Ipó usava uma blusa cinza de malha com manga comprida e estava sem bermudas. Só ficava na rede arriado teve febre, várias vezes, depois de alguns dias pediu um remédio para um ferimento que tinha na poupança, bem no bumbum mesmo.
Meu esposo foi passar uma pomada, e verificou que era um ferimento bem inflamado já.
Perguntou o que aconteceu. Ele contou que estava sentado bem em cima do pau que queimava no fogo, tinha uma panela cozinhando batata doce, alguém se aproximou e mexeu o fogo, a panela tombou e água escorreu aí ele para não queimar os pés ergueu os pés e a bunda ficou em contato com água quente, pelando fundo mesmo. Foi só risadas nesta hora. Todos acharam muito engraçado o fato ocorrido.
Ele nem andar direito conseguia, mas graças a uma boa pomada logo cicatrizou o ferimento assim ele foi para junto da sua família. Prometeu trazer sua família para morar ali por perto onde estamos, pois ali é um lugar farto de caça, peixe, muita mandioca para fazer farinha e não tem doenças.  

Um comentário:

  1. Adorei marcinha(fofa). Adoro escrever e já tive um blog que hoje esta sem ser atualizado há muito tempo. As coisas do coração e que são as vivídas por nós são os melhores artigos que podemos ter. Vou ler todos sempre e vou colocar como favoritos pra não perder um sequer...Beijokas pra vc e parabéns....
    PS-Eu também sofro a tal da síndrome do ninho vazio!kkkkkkk

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