quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Meus vinte dois dias no túnel do tempo



Uma das mais fortes características da raça humana com certeza é a capacidade de se omitir diante de uma situação incomoda.
Nós, seres humanos, gostamos de nos camuflar, dar aquela a aparência de tranquilidade, de que tudo está perfeito assim como vivemos por anos. Detestamos qualquer tipo de mudança por menor que ela seja. Euzinha Barbosinha, não escapo à regra.
Por anos, fiquei na minha, depois que fomos retirados da tribo onde trabalhávamos.
Estávamos em férias, nossa mudança estava na aldeia, não tivemos nenhuma oportunidade ou consideração. Nossos pertences ficaram lá para serem queimados por uma antropóloga ateu que decidiu o destino de nossas vidas.
O pouco que foi retirado ainda foi roubado por desleixo daquele que, na época, era o encarregado de cuidar das nossas coisas. Tínhamos um casal na cidade que foi levado lá para fazer tudo o que a equipe no mato precisasse, mas infelizmente ele não era eficiente, não era um bom mordomo das nossas coisas. Ele deveria zelar por nossos bens, documentos, mudanças, compras, mas ele não estava 100% envolvido conosco.
Ele, que deveria ser nossos braços e pernas, e até nossa consciência, não se dedicou de corpo e alma na peleja que foi chamado para executar.

Minha grande decepção foi esta, de ver que nem a própria equipe se dava bem, havia pouco entrosamento entre os membros, Todos pisavam em ovos ali, infelizmente...
Esquecemo-nos de como é necessário sermos humildes!
Minhas coisas eram objetos materiais sim, e poderia não ter valor para eles, mas para mim tinha muito. Tudo foi conseguido com amor e carinho, por meus pais.
Tive um enxoval de rainha, tudo do bom e do melhor. Tinha vários lençóis de cetim, lindas camisolas longas, colchas de renda, toalhas de mesa da Ilha da Madeira e um acervo de fotos dos meus bebês.
Não era uma sem-teto. Tinha referências. Tinha um glorioso passado em família, uma linda vida de casada sorria para mim. Estava feliz, realizada. Fiz uma escolha e jamais me arrependi.
E assim do nada, por pura incompetência por parte de alguns, tinha perdido tudo que fazia parte do meu reino doméstico. Sim, sou mesmo uma eterna rainha do meu lar.
A mágoa começou a tomar um lugar especial no meu coração, com o tempo outras situações foram acontecendo e se acumulando, mesmo sem serem percebidas.
Para resumir a história, 20 anos depois, voltamos ao ponto de partida. Meu esposo que é um guerreiro, despojado de bens, na realidade um Tarzan das Selvas! (Hehehe).
Passou por cima de todos os obstáculos, falatórios ou lógica e foi em frente na  sua jornada .Queria um lugar longe de proibições,lugar que fosse livre para  o povo do qual fomos expulsos de conviver, pudesse um dia chegar.Onde eles pudessem ir e vir e viver a sua cultura na integra,o povo é nômade,vão para os rios pescar ,ficam na mata caçando,moquiam a caça e vão explorar outros lugares,no tempo a seca andam muito,a terra e os rios   são sua fonte de alimento, são alto sustentáveis.sustentáveis. Só a doença os detêm.
Hoje este fato é real, visível e chocante.Pois não importa quanto tempo passe a vida deles seguem a mesma ordem de antes,sobreviver com os recursos da natureza mãe!.
Fui intimada por meu esposo a ir até eles, passar 22 dias para ver se eu ainda dava conta de encarar uma vida neste estilo ‘Tarzan’.
Eu não acreditava mais naquele sonho. Tinha envelhecido, era outra pessoa agora, gostava de certo conforto, estava ficando egoísta e tinha uma ótima memória, ela não me deixava esquecer nem relaxar, quanto ao futuro.A vida por ali era dura,o seu  velho "Eu",queria mandar,exigir,e confrontar.
Não havia nada de romântico e desafiador agora depois de tantos anos.Nem muito colorido.
Não era mais uma garota de 24 anos que não tinha muitas expectativas quanto ao futuro, naquela época me satisfazia com um amor e uma cabana.
Enfim, já estava na sede do ‘Rancho do Ruy’ fazia uns dias, ali tem apenas um barraco que meu esposo diz que vai virar minha casa, ainda tem só dois cômodos de madeira. Um quarto (que serve de depósito, banheiro etc...) e uma cozinha que agora está com cara de cozinha mesmo, tem pia, um fogão a lenha, uma mesa e várias prateleiras para colocar os bagulhos de cozinha.
Ainda não está nada pronto, mas isso não é importante para meu esposo, isto são apenas detalhes estéticos, para ele tudo está perfeito. Bem se vê que é uma visão puramente masculina, é claro.
Para mim que sou a outra parte que vai morar ali por muito tempo está faltando sim muitas coisas, mas que vão ser arranjadas na sua hora e tempo apropriado, pois vou morar ali e preciso de algo real e prático, não vivo mais de fantasias românticas.
Um dia sentindo muito calor resolvi sair da toca e passear pelo terreno, foi neste exato momento que fui sugada pelo túnel do tempo. O cenário não podia ser mais perfeito para tal acontecimento. Vi-me dentro de um quadro antigo de Cândido Portinari.
A vida acontecia, à cores e ao vivo igual a suas famosas telas onde retratava o cotidiano dos povos tribais. O que via poderia ser sim um real cenário daquela época do desbravamento, dos padres jesuítas no Brasil.
Ao me aproximar da rude tapera que ali estava erguida vi nos esteios que mantinham o casebre de pé. Esteios em forma de cruz erguidos no espaço vazio. Era uma casa muito rude feita de taipa com meias paredes de barro, hoje moram ali três castanheiros,  personagens esquecidos no tempo.
A esquerda da casinha de taipa encontrava uma bananeira anã. Debaixo dela algumas índias nuas sentadas sobre as pernas limpavam os peixes enormes que acabaram de chegar. Alguns homens estavam pescando no rio Cuminapari  e tinham acabado de chegar.
Elas tinham uma fogueira  feita com apenas três toras, passavam o trairão sobre as chamas do fogo e depois tiravam com uma faca as escamas, lá embaixo do barranco corria um rio com suas margens bem tortuosas.
Jogados no meio do caminho estavam vários macacos mortos, esperando para serem  tratados. Fui despertada para um fato, vinte anos já haviam sidos passados, eles ainda permaneciam iguais aos seus ancestrais, sem nenhuma mudança aparente, suas atitudes eram primitivos em todos os aspectos visíveis, não era possível perceber nenhum avanço.
Viviam ainda sua cultura primitiva arcaica, sem progresso algum. O universo deles  gira entorno basicamente da alimentação. Um pensamento invadiu o meu cérebro.
Quanto vale uma alma?!?
Nada foi a resposta que ouvi de mim mesma. Para mim não valia nem um tostão furado, não queria mais viver ali. Não havia identificação com eles, nem compaixão, só miséria e dor.
Mas uma voz muito forte e nítida falava dentro  de mim. “Engano seu. Para meu Filho eles ainda têm muito valor, são preciosos.” Jesus Cristo pagou um alto preço para resgatá-los também. Nada pode anular ou diminuir o que Jesus Cristo realizou naquela Cruz. Na hora veio um verso bem conhecido na minha mente. “Eu sou o caminho, a verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai se não por mim.” (João. 14.6)
Não importa como me sinto em relação ao passado, a realidade é uma só: o povo em questão precisa saber sobre as Boas novas! E se eu, que já estou com a mão no arado, olhar para trás ou desistir, quem irá levar este presente até eles?
Sei que não sou uma Expert na língua. Já estou virando o cabo da boa esperança.
Mas tenho sim fagulhas que podem acender uma nova chama! Tenho um desafio missionário. Identifico-me com o povo no amor que tenho por eles. Tenho plena consciência que sou apenas um instrumento nas mãos do Mestre, não importo de ser apenas um preguinho torto, mas que ainda pode ajudar na construção.
Estou lá simplesmente, porque mais uma vez fui tocado por nosso Deus e Pai.



                   

2 comentários:

  1. Muito desafiador sua explanação minha querida "Jane". Parabéns pela habilidade com as palavras. Te amo.

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  2. Também voltei no tempo...concordo com tudo o que disse Márcia...me fez repensar tudo o que vivemos ali na base esperança, meu coração se enche com um misto de saudade e ao mesmo tempo a tristeza de que muita coisa poderia ter sido diferente...mas o tempo passou e vocês ainda estão ai...tenho grande admiração por suas vidas e aproveito este espaço para lhe dizer que se em algum momento deixei de ser benção prá ti, peço-lhe perdão...e que bom que permitiu em seu coração a chama se reacender, Deus muito lhes abençoe e "Continuem continuando". Você verdadeiramente é uma grande guerreira. Abração.

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